Segundo especialista, baixo acesso e descrença nos políticos diminuem força da web na campanha eleitoral brasileira
Por Ana Carolina Saito
BARREIRA CULTURAL Para Vera Chaia, a mobilização no Irã e o apoio a Obama pela rede dificilmente se repetiriam no Brasil |
Além dos tradicionais palanques, os candidatos que participarão das eleições no próximo ano se preparam para o embate no mundo virtual. A coordenadora e pesquisadora do Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política (Neamp) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), professora Vera Chaia, alerta que a corrida já começou fora e dentro da internet, que será usada de forma intensiva por marqueteiros políticos e militantes.
Por outro lado, a cientista política pondera que há valorização exagerada da internet por parte do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ao limitar a campanha eleitoral online. Ela lembra que o acesso à rede mundial de computadores no Brasil, assim como a participação política dos cidadãos, é ainda restrito se comparado a outros países. "A internet não vai mudar a política brasileira", diz a professora, que, nas eleições de 2006, se dedicou à análise das comunidades políticas na rede social Orkut.
Em seu pós-doutorado, pela Universidad Rey Juan Carlos, ela acompanhou, na Espanha, o uso da internet na disputa presidencial de março de 2008 na qual foi reeleito José Luiz Zapatero. A experiência resultou no projeto de pesquisa "Uso das novas tecnologias na ação política no Brasil e na Espanha". Nesta entrevista à ISTOÉ, ela analisa as estratégias políticas na web.
ISTOÉ - A ação política está se intensificando na internet?
Vera Chaia - De 2006, época das eleições no Brasil, para 2008 na Espanha, ocorreu um avanço muito grande. Lá, além dos candidatos terem se apropriado, e muito melhor, da internet, construindo formas de interação efetivas entre eles e seus possíveis eleitores, tivemos a ação das televisões espanholas, que abriram espaço para os cidadãos se manifestarem. A TVE, a televisão pública espanhola, colocava no ar perguntas de eleitores feitas para os candidatos, via You- Tube, no dia do debate. No caso dos candidatos, tivemos formas de atuação muito diferentes. Um deles, por exemplo, construiu um avatar no Second Life.
ISTOÉ - A campanha presidencial de Barack Obama pode ser considerada um marco nessa evolução?
Vera - A estratégia foi diferente das adotadas nas eleições espanhola e brasileira. O Obama investiu muito na internet porque havia grandes vantagens. Primeiro, é muito barato e tem um alcance muito maior se os cidadãos estiverem habituados a navegar em sites políticos. Porém, o aspecto mais inovador da campanha de Obama é que praticamente toda a arrecadação foi feita via internet. Mesmo depois das eleições, havia venda de camisetas, souvenirs e ainda um link para fazer doações.
ISTOÉ - Esse modelo pode se reproduzir no Brasil em 2010?
Vera - O hábito do americano é muito diferente do do brasileiro. O uso da internet e a participação política dependem muito da cultura de cada país. O Brasil é um país com cerca de 45 milhões de pessoas que acessam a internet, mas não os sites políticos. Os sites de entretenimento e e-mail são mais visitados. No caso do Obama, os simpatizantes fizeram vídeos manifestando apoio ao candidato, eram pessoas anônimas que decidiram se manifestar.
"O blog do Lula pode levantar algumas questões que devem ser pensadas com o objetivo de produzir efeito positivo para o governo" |
ISTOÉ - E como deve se comportar o internauta brasileiro?
Vera - No Brasil é diferente. Estamos acompanhando escândalos que fazem com que a população tenha uma desconfiança muito grande da política e dos políticos. O que vai acontecer é o uso e abuso da internet pelos marqueteiros, assessores de campanha, militantes. Os blogs e comunidades online já começaram a campanha, mas isso limitado ao universo dos partidos, candidatos e simpatizantes. Em 2006, fiz uma análise de uma comunidade do Orkut, a "Casa da Mãe Joana", que pregava o voto nulo ou a abstenção. Havia uma polêmica: uns defendiam a abstenção, ou seja, negavam a participação política; outros, o voto nulo, que seria uma forma de se manifestar, mas ainda participar do processo. A participação se dará nesses dois níveis: ou simpatizantes e pessoas ligadas aos partidos ou manifestações contra qualquer tipo de envolvimento.
ISTOÉ - No Irã, a internet foi usada para driblar a censura e mobilizar a população. É possível pensar em um movimento parecido no Brasil?
Vera - O mais relevante foi que todas as críticas foram divulgadas pela internet e as grandes manifestações que ocorreram no Irã foram registradas principalmente pelo celular. É muito diferente no Brasil. Se você convocar qualquer manifestação via internet, não terá resultado como no Irã, já que lá existe uma oposição ao regime dos aiatolás que faz com que haja uma articulação. Existe um cerco em relação à internet no Irã, que inviabiliza o acesso a informações diretamente do país. Na China, houve um protesto nos 20 anos do massacre da Praça da Paz Celestial e essa manifestação só pôde ser acompanhada pela internet.
ISTOÉ - O movimento "Fora Sarney" no Twitter já conta com sete mil seguidores. Recentemente, o jornal britânico "The Guardian" publicou um artigo sobre a campanha online "Greve do Bigode". Como avalia esses protestos?
Vera - A entrada da internet é extremamente positiva, pressiona mais pela resolução de um problema. É extremamente benéfico. Mas essa manifestação não vem para o mundo real. Não consegue mobilizar. As "Diretas Já" e o "Fora Collor" foram manifestações feitas sem internet. Hoje, existe uma facilidade de convocação pela internet, mas ela não ocorre e não será atendida devido à nossa cultura. É muito cômodo se manifestar pela internet, é mais asséptico, já que você não suja as mãos, não corre, como aconteceu anos atrás. Além disso, tem o lado do descrédito da vida política brasileira, de um certo ceticismo em relação à política, à possibilidade de mudanças na nossa sociedade
A expansão do uso da internet pode mudar a ação política?
Vera - Há duas posições entre os pesquisadores da internet. Uns são os ciberotimistas, que acham que a internet vai propiciar uma participação política efetiva, que os cidadãos vão poder se manifestar, e vai compensar a falta de participação numa democracia representativa. Outros são os cibercéticos, que não acreditam que vai ocorrer mudança efetiva porque o controle das informações está nas mãos de um grupo. O acesso é limitado e a participação é de poucos, daqueles que já participam efetivamente na vida real.
ISTOÉ - E qual é a sua posição?
Vera - Fico entre os dois extremos. Penso que essas manifestações coletivas são muito boas, são uma forma de pressão. Mas, achar que a internet vai mudar a vida política brasileira, isso não. Pode mudar a sua vida pessoal, você pode arranjar casamento, ampliar o seu círculo de amigos, baixar músicas e filmes. Agora, a política não vai mudar. Ela é transplantada para a realidade virtual. As manifestações vão ocorrer entre os próprios participantes dos partidos. A política brasileira não mudou e não vai mudar com a entrada da internet nas campanhas.
ISTOÉ - A Câmara dos Deputados aprovou uma reforma eleitoral que cria regras para as campanhas políticas na internet e impõe limites para a cobertura online. Qual é a sua avaliação?
Vera - Nos Estados Unidos e na Espanha, os sites são livres, são mais liberados para a manifestação. Na minha opinião, deve haver o controle de rádio e televisão, que são concessões públicas. Já fizemos análise das eleições 2000, 2002, 2004 pelos telejornais e rádio. A única possibilidade de os canais fugirem um pouco da legislação eleitoral é nos debates. Aí não tem como controlar o que os candidatos vão falar e o que os jornalistas vão perguntar. Já toda a cobertura é muito controlada. O que não pode acontecer na internet.
ISTOÉ - Por quê?
Vera - Acho que esse controle é censura mesmo. É um grupo determinado que participa da internet, não é uma população inteira. Essa população vai continuar tendo acesso pela televisão no horário gratuito de propaganda política. Será ainda o principal meio de divulgação. Quais são os lares que possuem computadores? Mesmo nas lan houses, o que os jovens vão fazer? Vão procurar sites de política? Não vão. Vão jogar, se comunicar com outros amigos. Existe uma valorização exagerada da internet na campanha eleitoral por parte do Tribunal Superior Eleitoral. Quem vai se aproveitar mais da internet são os marqueteiros, os partidos políticos.
ISTOÉ - Mas a falta de controle também não é um risco para os candidatos?
Vera - Não adianta o TSE querer controlar a internet. Eles precisariam de um número imenso de funcionários para poder controlar sites, comunidades, blogs. O controle sempre existiu, mas entre os partidos mesmo. Se alguma coisa saiu em um site, o outro partido reage e negocia a retirada daquela informação.
Vera - Em 2006, quando o site do PT colocou aquela informação de que a dona Maria Lúcia Alckmin possuía mais de 400 vestidos, houve uma negociação com o PSDB, que exigiu que eles tirassem do ar. O PT viu que havia exagerado. A informação era correta, mas a vida pessoal não deveria aparecer no site. Esse conflito vai continuar existindo. São táticas e estratégias diferentes usadas pelos partidos nos sites e nessa disputa online.
ISTOÉ - O Palácio do Planalto anunciou a criação do blog e da página no Twitter do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Vê algum risco nessa iniciativa?
Vera - Na internet sempre existe um risco, de se ouvir o que não quer. É claro que o governante atual está sempre atento a novos mecanismos de participação e um deles é o blog. Mas o internauta pode, por exemplo, fazer críticas ao governo, à postura do Lula e determinadas posições políticas. Se você não sabe o que as outras pessoas pensam, é mais fácil governar. Acho que esse é um risco, mas também é inevitável. Não dá para você deixar de ter uma comunicação direta com o cidadão nos dias de hoje.
"As 'Diretas Já' e o 'Fora Collor' foram manifestações sem internet. Hoje, existe uma facilidade de convocação, mas ela não ocorre devido à nossa cultura" |
ISTOÉ - Mas pode haver também uma manipulação das informações?
Vera - Algumas questões levantadas pelo internauta podem ser levadas em conta, mas deve existir uma triagem das informações, das dúvidas, das críticas. Também pode acontecer uma transformação da internet em um espaço de debate, mas um debate sempre direcionado. É possível que sejam colocadas questões que interessam somente ao governo. O blog do Lula pode levantar algumas questões que devem ser pensadas com o objetivo de produzir efeito positivo para o governo.
ISTOÉ - A internet pode dar mais transparência ao debate político em 2010?
Vera - As comunidades têm uma força política por trazer à tona determinadas discussões que não se fazem, muitas vezes, presentes de forma mais clara na vida real. Em 2006, acompanhei algumas comunidades e uma delas tentava justificar a derrota de Geraldo Alckmin. Havia claramente brigas políticas entre dois grupos presentes na comunidade. Um ligado ao José Serra e outro ao Alckmin. E os "alckmistas", como eles se denominavam, criticavam o PSDB e o Serra por não terem dado o apoio devido em 2006 à candidatura de Alckmin. E foi efetivamente o que aconteceu. Nesse sentido, você vê o conflito se manifestando na internet. No mundo real, você ouve, mas não acompanha. A vantagem da internet é que muitas coisas são clarificadas.
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