12 de mai. de 2009

A descoberta do óbvio: Obama Divide


A revista Veja publica nesta semana uma longa entrevista com Ben Self, um dos estrategistas da campanha de Barack Obama. Ben Self descobriu o óbvio, ou seja, que a Internet, por suas características enquanto mídia e ferramente tecnológica, pode ser usada como um poderoso instrumento de estímulo à ação coletiva e de agregação de vontades e decisões individuais (dentro das quais podemos incluir as campanhas eleitorais). Por causa de sua importância, postaremos a entrevista na íntegra. Agreguemos apenas que já há uma ampla bibliografia acadêmica analisando as inovações introduzidas pelo Staff de Barack Obama em sua última campanha, que iremos postando aos poucos aqui neste blog. Aguardem.

Por ora, postaremos uma entrevista que concedemos no início deste ano à rádio CBN analisando alguns aspectos do fenômeno (cf. o link abaixo) BRAGA, Sérgio. . Como a internet pode ser um canal de comunicação entre o governo e a sociedade? (entrevista à rádio CBN) [disponível em: http://cbn.globoradio.globo.com/programas/cbn-total/2009/01/01/COMO-A-INTERNET-PODE-SER-UM-CANAL-DE-COMUNICACAO-ENTRE-O-GOVERNO-E-A-SOCIEDADE.htm]. 2009. (Apresentação em rádio ou TV/Outra).

(SSB).


Entrevista

A internet de Barack Obama

11/05/2009 18:39

Ben Self foi um dos responsáveis pelo uso revolucionário da internet nas eleições para a presidência dos Estados Unidos. Sócio fundador da Blue State Digital, empresa especializada na criação de estratégias on-line, Self atuou como diretor de tecnologia do partido Democrata durante a campanha vitoriosa de Barack Obama. Ele vem ao Brasil entre os dias 17 e 21 de maio, e vai se encontrar com políticos, empresários e representantes de ongs em São Paulo, Brasília e Porto Alegre. Ele concedeu a seguinte entrevista ao editor de VEJA Diogo Schelp de sua casa em Lexington, Kentucky.

Algum político brasileiro entrou em contato com vocês para ajudá-los na campanha do ano que vem?
Sim, iniciamos conversas com alguns, para ver se estabelecemos uma parceria. Nada estabelecido, ainda. Nós já estamos trabalhando na Inglaterra, no México, na Nova Zelândia. Mas não posso dizer ainda quem entrou em contato conosco no Brasil.

De que maneira a internet ajudou na vitória de Barack Obama nas eleições presidenciais do ano passado?
A ideia era construir uma relação diferente com os eleitores, usando a internet de maneira transparente. A grande vantagem da tecnologia é que ela nos permitiu falar diretamente com as pessoas.

Que recursos vocês utilizaram para isso?
Usamos um software que registra tudo sobre as pessoas que frequentavam o site do candidato, desde nome e email até o tipo de interação que elas tiveram com a campanha. Conseguíamos, por exemplo, saber quais eleitores liam os email que enviávamos e em quais links das mensagens eles clicavam. Havia também uma ferramenta que transformava os apoiadores de Obama em cabos eleitorais por telefone. Com base em informações que disponibilizávamos no site da campanha sobre eleitores indecisos, os apoiadores de Obama podiam ligar para cada um deles sem sair de casa, para fazer propaganda. Em outros tempos teríamos de ter uma central de telemarketing. Outra ferramenta do nosso site era chamada “Vizinho a vizinho”. As pessoas encontravam na página de Obama o endereço dos dez eleitores indecisos mais perto de sua casa. O voluntário, então, ia até a casa dessas pessoas, conversava com elas e, na volta, colocava todas as informações coletadas no nosso site, contribuindo para o nosso gigantesco banco de dados. Com isso, éramos capazes de saber quem ainda precisava ser convencido a votar em Obama e com quais argumentos.

Não há um problema de privacidade nessa estratégia?
Não, por dois motivos. Primeiro porque, nos Estados Unidos, qualquer um pode ir a uma repartição do seu estado e pedir uma lista dos eleitores registrados. Segundo porque as únicas informações que a gente dava no site era o nome e o endereço dos eleitores, o que pode ser encontrado na lista telefônica. São informações públicas.

Como vocês usavam a internet para financiar a campanha?
Uma técnica muito comum para conseguir doações de campanha nos Estados Unidos é enviar um email com a seguinte proposta ao eleitor: “Temos uma empresa disposta a doar 3 dólares para cada dólar que você der para a campanha, desde que você o faça no prazo de três dias.” As pessoas não acreditavam nessa conversa. Resolvemos adotar um método diferente. Enviamos email para cada uma das pessoas que já haviam doado dinheiro para a campanha de Obama e perguntamos a elas se aceitariam dar 10 dólares se conseguíssemos convencer outros eleitores a doar também. O próximo passo foi enviar mensagens para apoiadores de Obama que nunca haviam doado antes com a seguinte informação: “Temos 10.000 pessoas que dizem estar dispostas a doar de novo, se você doar 10 dólares. E para provar o que estamos falando, vamos lhe colocar em contato com essas pessoas, para que vocês possam trocar mensagens sobre Obama”. Esse tipo de realismo e de transparência, conectando eleitores aleatórios que não têm nada em comum além da paixão pelo mesmo candidato, foi realmente um instrumento poderoso para mobilizar apoiadores e doadores.

Por que a estratégia das doações pequenas funciona melhor do que os meios tradicionais de financiamento de campanha?
Há muita energia acumulada nas campanhas políticas. Em vez de ter algumas milhares de doações de alto valor, conseguimos 3,2 milhões de pessoas dispostas a dar pequenos valores, de menos de 100 dólares. Tínhamos uma lista de email com 13 milhões de contatos. Se conseguíssemos que toda essa gente fizesse algo pela campanha, sabíamos que muita coisa seria realizada. Essa rede massiva de voluntários permitiu que nós conversássemos com mais eleitores do que jamais imaginaríamos que seria possível. A quantidade de dinheiro arrecadado on-line, que foi superior a meio bilhão de dólares, esmagou qualquer outra fonte de arrecadação. Você consegue mais dinheiro de muita gente dando pouca quantidade do que de pouca gente capaz de doar muito dinheiro cada uma.

Como vocês fizeram para construir essa gigantesca base de dados on-line?
Ela começou muito pequena. O que fizemos foi transformar as pessoas que visitavam nosso website em fontes de informação para o banco de dados. No site de Obama, elas eram estimuladas a fornecer o seu endereço, o seu nome e a se envolver de alguma forma na campanha. Havia, logo na primeira página, quinze maneiras diferentes de se fazer isso. Desde as ferramentas de que já falamos, até a possibilidade de sediar festas, descobrir onde estavam acontecendo os comícios mais próximos. Bastava digitar o código postal de sua rua. Havia sempre algo que se encaixava dentro das possibilidades do visitante do site. Desta forma, a lista de participantes foi crescendo, e com a ela nosso banco de dados.

Os vídeos de Obama no site foram vistos mais de 15 milhões de vezes. O que explica essa popularidade?
Não eram apenas vídeos de uma candidato parado falando para a câmera. Eram vídeos interessantes. Não eram chatos. O famoso discurso sobre raça que Obama fez na Filadélfia, de 45 minutos, foi visto por mais gente na internet do que em todos os canais de TV somados. A habilidade para criar uma relação com as pessoas e falar diretamente com elas, em vez de através uma propaganda de 30 segundos na TV, foi a grande diferença.

Essa estratégia deu certo porque Obama é popular, ou poderia ter funcionado com qualquer político?
De fato, foi uma circunstância muito especial. Era um grande candidato. Se você não tem Barack Obama, provavelmente não conseguiria arrecadar meio bilhão de dólares on-line. Mas a estratégia não está atrelada a um único candidato. Ela lida com a natureza humana e é sobre construir relacionamentos entre as pessoas. Isso vale para qualquer país. Esteja você trabalhando para uma empresa ou para um candidato. Nós temos mais de 200 clientes, todos se valendo dessas estratégias, seja uma grande corporação, uma pequena empresa ou universidades.

A arrecadação de doações on-line pode ser a solução para a questão do financiamento de campanhas, desvencilhando os candidatos tanto do dinheiro público quanto das doações de grandes empresas?
Nos Estados Unidos, há um limite de quanto se pode doar a uma campanha. É pouco mais de 2.000 dólares. A possibilidade de conseguir um grande número de pequenos doadores on-line é um grande negócio para a política e para a democracia. Isso resolve boa parte do problema com dinheiro na política. Você deixa de ter aquela única empresa ou pessoa que tem tanto poder sobre o político e passa a depender de uma vasta massa de pessoas que vão cobrá-lo não pelas pequenas doações que deram, mas por temas de interesse do país.

Em um país onde nem toda a população está conectada à internet, como é o caso do Brasil, uma estratégia como essa pode funcionar?
Seria preciso adaptar algumas das ferramentas on-line. Pode-se, por exemplo, ampliar o uso das mensagens enviadas para telefone celular. Você não consegue angariar eleitores suficientes para eleger ninguém pela internet. O que se faz é usar a internet para envolver um certo número de pessoas na campanha. Elas saem do mundo virtual para o mundo real para convencer outros eleitores a votar em seu candidato. Mesmo que sejam só 10% dos eleitores, você pode transformá-los em ativistas para sua campanha e convencê-los a sair para falar com os outros 90%. E é preciso lembrar que o número de pessoas conectadas só tende a aumentar.

A campanha on-line também é mais barata?
Sim. Os gastos com os serviços on-line em uma campanha são ínfimos. A maior parte do dinheiro é gasto em propagandas de televisão e em mão-de-obra.

De que maneira a internet pode devastar uma candidatura?
Para os políticos, nenhuma conversa é privada com a internet. Você tem de partir do princípio de que tudo o que você fala fora de casa está sendo gravado ou filmado e que isso vai parar na internet, se for comprometedor. Portanto, não se pode dizer nada que possa lhe constranger. Em 2006, esse fenômeno ajudou a eleger um senador da Virgínia, quando se espalhou um vídeo do seu oponente fazendo comentários racistas. A facilidade de colocar vídeos na internet promoveu uma grande mudança de comportamento na política. Isso é bom, porque quanto mais informação se tem sobre um político, tanto melhor. Mas a internet também permite ser muito rápido na resposta, ser relevante para explicar os fatos e boatos.

De que forma sites de relacionamento como Orkut, MySpace e Facebook podem ser úteis para uma candidatura?
Quando você tem uma comunidade de pessoas já engajadas em torno de assuntos específicos, como é o caso das redes sociais, pode-se usá-la também para discutir questões políticas. Através desses sites, é possível se comunicar com estas pessoas num ambiente em que elas se sentem confortáveis. Essa é a grande transformação que veio com a campanha de Obama: canalizar a energia comunicativa das pessoas que estão conectadas à internet, seja no Facebook, no Twitter ou no site do candidato, para uma ação política relevante. Pode-se transformar esse entusiasmo com as novas tecnologias em voluntariado para a campanha, por exemplo.

Fonte: Revista Veja (11/05/2009) [Link aqui]


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